John Joubert, o escoteiro serial killer

Toda Sexta-Feira É 13
13 min readJul 16, 2021

Contextualizando o escotismo

A história de hoje é sobre um escoteiro americano chamado John Joubert que conseguiu construir uma carreira sólida e respeitada no escotismo, mas que, na verdade, acabou enganando muitas pessoas ao ser o responsável por uma série de crimes que chocou os EUA e, principalmente, as pessoas que o conheciam mais de perto.

Mas antes de falar sobre John Joubert, é importante contextualizar você sobre os escoteiros americanos e como esse movimento funciona por lá.

O escotismo é um movimento de caráter educacional, voluntário e sem fins lucrativos, onde jovens têm a oportunidade de se desenvolverem socialmente de uma forma baseada em valores, respeito, amizade, fraternidade e no amor pela natureza.

Nos EUA, existe uma espécie de associação chamada The Boy Scouts of America, também conhecida como BSA. A missão declarada da BSA é a seguinte:

Preparar os jovens para fazerem escolhas éticas e morais ao longo de suas vidas, incutindo neles os valores do juramento e da lei do escoteiro.

Fundada em 1910, a BSA é reconhecida mundialmente como uma parte distinta da cultura americana, retratada em inúmeros filmes, livros e outras formas de mídia. Em 2017, a BSA tinha cerca de 2 milhões e 300 mil membros e cerca de um milhão de voluntários adultos em todo o país.

Dentro do escotismo, existe uma série de características que as pessoas, de forma geral, esperam ver em um escoteiro. Isso inclui lealdade, bravura, confiabilidade e gentileza, só para citar alguns.

Eagle Scout, traduzindo aqui pro português como escoteiro águia, é o posto mais alto que um escoteiro pode alcançar. E chegar lá não é uma tarefa fácil, já que apenas 4% dos escoteiros alcançaram o posto de Eagle Scout desde o estabelecimento da BSA.

Porém, um certo Eagle Scout acabou sendo retratado como um escoteiro modelo, aquele que todo mundo se espelhava e queria seguir, mas na prática não era nada disso. Seu nome era John Joubert.

O escoteiro John Joubert

John era um mestre do disfarce. Ele alcançou o posto mais alto na BSA, antes de se tornar um líder escoteiro. Ninguém sabia o quão perigoso ele era, até que fosse tarde demais.

Uma infância infeliz

Nascido em 2 de julho de 1963 na cidade americana de Lawrence, no estado de Massachusetts, John Joubert era o mais velho dos dois filhos de Joseph e Beverley Joubert. Sua irmã, Jane, nasceu em 1965.

A vida doméstica de John era bastante infeliz. Quando ele tinha seis anos, seus pais se divorciaram e o pai dele, Joseph, acabou saindo de casa e se mudando para outra cidade.

A mãe dele, por sua vez, era uma mulher muito dominadora e controladora que não deixava John fazer amizade com outras crianças. A mãe de John era bem má com ele, sempre ficava irritada, e a rotina de espancamentos era comum até ele completar 12 anos.

O resultado óbvio disso tudo foi que John passou a infância toda tendo poucos amigos. A escola também era um lugar ruim para ele, já que sofria bullying dos outros alunos por ser o mais baixinho da sala, mas nunca revidou os comentários dos colegas. John sempre guardava pra ele sem retrucar nem nada.

Mas, no geral, ele era inteligente, se destacava nas aulas e tinha um QI acima da média, tendo Inglês e História como suas matérias favoritas.

Quando ele tinha 11 anos, sua família se mudou de Lawrence para o bairro de Oakdale, em Portland. E, nessa época, para começar a ganhar seu próprio dinheiro, John começou a trabalhar como entregador de jornal. Depois ele acabou conseguindo até outros empregos durante o verão e, com esse dinheiro, ele pagou boa parte da mensalidade para entrar na Cheverus High School, uma escola católica só para meninos de Portland.

Quando o John chegou no ensino médio, ele se tornou um adolescente com raiva das pessoas ao seu redor. Isso é fruto de todas as experiências ruins que ele teve até aqui. Mas até que ele conseguia disfarçar bem essa raiva, porque ele parecia mais um menino quieto e estudioso como sempre foi.

Em paralelo a isso, John acabou entrando para o universo do escotismo e acabou não só se tornando um escoteiro, como também alcançou o posto mais alto que um escoteiro pode chegar, o Eagle Scout.

Os primeiros ataques

Só que, em dezembro de 1979, houve o primeiro de uma série de ataques violentos ocorridos em Oakdale.

Uma menina chamada Sarah Canty, de seis anos, estava brincando no jardim da sua casa quando um jovem passou de bicicleta e a esfaqueou com um lápis. Ela gritou de dor, mas quando seus pais vieram em seu socorro, o homem que a esfaqueou já tinha ido embora.

Um mês depois, já em janeiro de 1980, Vicky Goff, de 27 anos, estava na rua caminhando indo para sua faculdade quando um jovem a agarrou por trás e a esfaqueou com uma faca. O autor do ataque chegou a cobrir a boca de Vicky para impedir que ela gritasse e fugiu antes que ela conseguisse vê-lo.

Já em março de 1980, Michael Witham, de nove anos, caminhava pela Deering Avenue quando um jovem de bicicleta o atraiu para uma área arborizada e começou a fazer uma série de perguntas pessoais. Michael respondeu às perguntas e o homem disse que ele poderia ir, mas assim que ele se virou, o homem o agarrou por trás e cortou sua garganta com uma faca. Milagrosamente, Michael conseguiu escapar, mesmo ferido, e não morreu. Ele precisou de 12 pontos para fechar a ferida e os médicos disseram que ele teve muita sorte de estar vivo porque o ataque poderia facilmente ter sido fatal.

Você já deve imaginar que esses crimes foram cometidos por John Joubert. Mas naquela época, ele acabou não deixando rastros e os ataques ficaram sem solução, até que ele cometesse novos crimes e fosse descoberto.

O autor daquela série de crimes, até então desconhecido, ficou conhecido na época como The Oakdale Slasher, ou ou o Assassino de Oakdale, em tradução livre.

Mudança para o Oeste

Passado essa série de crimes, no ano seguinte, em 1981, John Joubert se formou no ensino médio e tornou-se aluno da Norwich University, uma pequena faculdade militar particular em Northfield, Vermont, onde estudou engenharia.

No entanto, ele desistiu depois de apenas um semestre. Quando não conseguiu encontrar um emprego, ele se alistou na Força Aérea dos Estados Unidos em agosto de 1982.

Quatro meses depois, John, já com 19 anos, mudou-se para a cidade de Bellevue, no estado americano do Nebraska, onde estava situada a base da Força Aérea Offutt.

Bellevue , que era uma cidade suburbana ao sul de Omaha, tinha uma população de cerca de 22.000 habitantes em 1980 (agora é muito maior, com cerca de 53.000 residentes).

Nesse contexto, John Joubert trabalhava como técnico de radar e juntou-se à equipe de escoteiros local, tornando-se líder de escoteiros. Depois disso, novos crimes foram acontecendo em cidades diferentes no oeste dos EUA.

Um desses crimes aconteceu em Portland, que é a maior cidade do estado americano do Maine, que é um destino turístico popular bem conhecido por sua arquitetura do século 19, culinária e vida noturna animada. A cidade possui também um porto altamente ativo, que é um importante pólo para as indústrias de pesca e transporte comercial.

Enfim, era uma cidade bem badalada, digamos assim. Nisso, no dia 22 de agosto de 1982, Richard “Ricky” Stetson, de 11 anos, saiu de casa por volta de 19h45 para correr ao longo de uma trilha em Back Cove, no norte de Portland. Como era verão, ainda estava claro, e a trilha estava cheia de ciclistas, corredores e passeadores aproveitando o último sol quente da tarde.

Richard “Ricky” Stetson (1971–1982)

Várias pessoas viram Ricky correndo. Eles também viram um jovem andando de bicicleta logo atrás de Ricky, mas não pensaram que algo poderia estar acontecendo, até porque é normal ter pessoas ali também andando de bicicleta.

Mas acabou escurecendo e o garoto Ricky ainda não havia voltado para casa, e seus pais, claro, preocupados com a situação, chamaram a polícia. Não demorou muito para que as preocupações dos pais de Ricky se confirmassem.

Na manhã seguinte, um motorista descobriu o corpo de Ricky em uma área gramada perto da pista de corrida. Ele havia sido estrangulado, tanto manualmente quanto com uma ligadura, mas não tinha sido abusado sexualmente.

Marcas de mordidas estavam presentes na panturrilha direita de Ricky, mas em uma tentativa de distorcer as impressões dentais, o assassino as perfurou com uma faca. Esse ato era algo completamente inédito para detetives e dentistas forenses que foram consultados sobre o caso; ao tentar encobrir seus rastros, o assassino se tornou mais vulnerável a ser pego deixando sua “assinatura”, que eram as mordidas com a facada em cima.

Naquela época, um suspeito chamado Joseph Anderson acabou sendo preso pelo assassinato de Ricky, mas foi solto porque as marcas de mordidas na perna de Ricky não correspondiam às suas impressões dentais.

Apesar de todo o esforço da polícia de Portland, o caso de Ricky foi esquecido.

Mais de um ano depois, no dia 18 de setembro de 1983, que era um domingo, Danny Joe Eberle, de 13 anos, acordou cedo para entregar jornais. A única coisa de valor que ele tinha consigo era sua bicicleta, que ele usava para entregar os jornais.

Danny Joe Eberle (1970–1983)

Só que depois de ir trabalhar, Danny acabou não voltando para casa, o que deixou seus pais bastante preocupados. A polícia foi chamada e uma busca em grande escala começou naquele mesmo dia. A bicicleta de Danny, junto com a grande maioria dos jornais, foram descobertos perto da quarta casa que ele teria que fazer a entrega lá do jornal.

Três dias depois, no dia 21 de setembro, o corpo de Danny foi descoberto em uma área gramada perto da estrada que dá acesso à Força Aérea Offutt, cerca de 6,4 km de onde sua bicicleta foi encontrada.

Danny estava deitado de bruços, sem roupa de baixo. Seus pulsos e tornozelos foram amarrados com corda e ele foi esfaqueado 11 vezes. Uma forma que parecia uma estrela foi esculpida em seu peito e havia marcas de mordidas em seu corpo, que foram perfuradas com uma faca. Exatamente como aconteceu em Portland.

Menos de três meses depois, em 2 de dezembro, um novo crime aconteceu: Christopher Walden, de 12 anos, estava indo para a escola em Bellevue quando um jovem dirigindo um carro de cor amarelada se aproximou dele. Os dois se falaram rapidamente e Christopher entrou no carro. Depois que entrou no carro, ele acabou não indo para a escola, então ele foi dado como desaparecido.

Christopher Walden (1973–1981)

Dois dias depois, dois homens caçando faisões descobriram o corpo de Christopher em uma área arborizada, a cerca de 5km de onde o corpo de Danny havia sido encontrado na beira da estrada.

Por ser um inverno muito frio típico em Nebraska, o corpo de Christopher estava congelado e coberto de neve. Assim como aconteceu com o Danny, Christopher também estava vestindo apenas cueca.

Ele foi esfaqueado até a morte e sua garganta foi cortada tão profundamente que ele quase foi decapitado. O desenho estranho em forma de estrela também foi feito em sua pele, assim como as marcas de mordida com faca. Ao contrário de Danny, Christopher não foi amarrado e nenhum dos dois foram abusados ​​sexualmente.

Tinha-se aí, claramente, um padrão de crimes que um possível serial killer estava por trás. Por isso, começaram-se uma série de investigações para buscar prender os responsáveis por esses crimes.

A investigação

O famoso perito criminal do FBI, Robert Ressler, viajou para Nebraska para ajudar na investigação, fornecendo um perfil do assassino. A descoberta do corpo de Danny tão perto do acostamento da estrada sugeriu a Ressler que o assassino não seria uma pessoa muito grande e nem forte, já que ele não tinha sido capaz de carregar o corpo de Danny muito longe.

A localização também deu a Ressler razões para acreditar que o assassino não era muito experiente e talvez não conhecesse a área muito bem, visto que o corpo não estava muito bem escondido. Alguém que conhecia melhor a área pode ter tido mais sucesso em esconder o corpo.

As evidências do assassinato de Christopher deram a Ressler mais material para trabalhar na criação de seu perfil: ele previu que o assassino dos dois meninos, provavelmente, estava envolvido em uma organização ou clube em que passava algum tempo com meninos pré-adolescentes e adolescentes, como treinador esportivo ou olheiros.

Ressler também suspeitou que o assassino tinha algum conhecimento de investigações criminais, uma vez que tentou obscurecer as impressões de sua mordida nos corpos de suas vítimas. Esse conhecimento, provavelmente, veio da leitura de revistas ou romances de detetive.

A corda que tinha sido usada para amarrar os pulsos e tornozelos de Danny não era uma que os detetives já tinham visto antes. Ela foi enviada para a sede do FBI em Washington D.C. para análise. O que tornava a corda tão única era que seu interior era composto de muitos tipos diferentes de fibras e mais de 100 fios de cores diferentes.

Os especialistas consultados concordaram com os detetives: não era um tipo de corda que eles já haviam encontrado. Por isso, acabou que eles começaram a procurar de onde essa corda poderia ser, porque não era uma corda comum que você poderia pegar em qualquer lugar.

A corda usada por John Joubert

Além disso, testemunhas apresentaram descrições do homem que haviam visto com Christopher Walden no dia em que ele desapareceu. Ele era um homem pequeno, não muito mais alto do que Christopher, com cabelos e olhos escuros, e tinha entre 18 e 25 anos. A partir das descrições, os investigadores fizeram um esboço, uma espécie de retrato falado do suspeito.

O esboço do retrato falado de John Joubert

Uma mulher que estava passeando com o cachorro naquela manhã tinha certeza de ter visto Christopher sendo sequestrado. Ela disse aos detetives que o homem dirigia um carro amarelado, cuja placa começava com a letra R. Está aí mais uma pista importante.

Em 11 de janeiro de 1984, uma professora da pré-escola Bellevue, Bárbara Weaver, estava fazendo sua rotina de trabalho matinal para preparar sua sala de aula para quando seus alunos chegassem. Só que Bárbara já vinha acompanhando de perto os casos dos meninos assassinados, Danny e Christopher.

Nisso, quando estava lá na escola arrumando a sala, Bárbara olhou rapidamente pela janela e viu algo que lhe pareceu suspeito: um carro que ela nunca tinha visto estava parado sozinho no estacionamento.

Quando ela olhou mais de perto, viu um jovem sentado no banco do motorista. Para Bárbara, ele se parecia muito com o jovem do retrato falado que ela tinha visto nos noticiários da mídia local.

Bárbara e o jovem estabeleceram contato visual e Bárbara acabou tendo um mau pressentimento com aquela situação estranha, mas o cara também acabou não tendo nenhum tipo de reação, ele não fez nada.

Mas Bárbara sim, como ela estranhou bastante aquilo e achou o cara parecido com o retrato falado, ela pegou um pedaço de papel e escreveu o número da placa do carro dele.

Mas, pelo visto, ele acabou percebendo, porque, de repente, a porta da sala de aula de Bárbara se abriu e o jovem estava na frente dela, ameaçando-a com uma faca. Bárbara conseguiu passar correndo por ele, escapando pela porta e atravessando a rua para uma casa próxima.

Ela bateu na porta da casa mais próxima e contou ao morador sobre o que tinha acabado de acontecer. Eles permitiram que ela entrasse e usasse o telefone para ligar para a polícia. Enquanto isso, o jovem entrou correndo no seu carro e saiu em disparada.

Prisão e Condenação

Com os números da placa do carro em mãos, os detetives rastrearam os dados e chegaram facilmente a John Joubert, de 20 anos, técnico de radar da Força Aérea dos Estados Unidos que morava na Base Aérea Offutt em Bellevue.

John combinou quase que perfeitamente o perfil que Robert Ressler tinha descrito: ele era jovem, pequeno e não muito forte e fazia parte de uma tropa de escoteiros local. Durante um mandado de busca ao quarto de John na base da Força Aérea, os investigadores encontraram várias revistas pornográficas relacionadas a temas policiais.

Ao revistar o carro de John, os investigadores coletaram também cabelos humanos, que foram analisados ​​e descobriram que eram de Danny Joe Eberle. Também foram encontrados no carro uma fita adesiva e uma faca. No porta-luvas, havia um pedaço de corda, do mesmo tipo que o Danny tinha sido amarrado.

Em 12 de janeiro de 1984, John Joubert foi preso e acusado dos assassinatos de Danny Joe Eberle e Christopher Walden. John acabou se declarando culpado de ambos os assassinatos e deu aos detetives um resumo do que aconteceu exatamente.

John Joubert sendo conduzido por policiais
Mugshot de John Joubert

Enquanto estava preso, John foi submetido a várias avaliações psiquiátricas. Os psiquiatras concluíram que Joubert sofria de transtorno de personalidade esquizóide, que é caracterizado pela falta de interesse em outras pessoas ou em formar relacionamentos, além de um desejo de se isolar dos outros.

Pessoas com transtorno de personalidade esquizóide podem parecer frias e sem empatia, raramente demonstrando muita emoção. John também foi caracterizado por possuir tendências sádicas, evidenciadas pelas torturas que cometia com suas vítimas.

O xerife do condado de Sarpy, Patrick Thomas, que estava envolvido no caso desde o desaparecimento de Danny, conversou com John depois que ele admitiu as mortes dos meninos.

Thomas perguntou a John se ele deveria soltá-lo naquele momento, se ele achava que havia aprendido a lição e não sairia por aí e mataria outro menino. John refletiu e pensou um pouco antes de responder que não, ele não havia aprendido a lição e provavelmente mataria novamente se tivesse a chance. Ele simplesmente não conseguia se conter e, por esse motivo, ele estava feliz por ter sido pego, disse John a Thomas.

Além disso, quando questionado pelas autoridades em Portland, John também acabou admitindo ser o Oakdale Slasher, nome dado ao Assassino de Oakdale. Ele disse aos detetives que esses ataques foram testes para futuros assassinatos.

John Joubert foi condenado por todos os três assassinatos, de Ricky, Danny e Christopher. No Maine, um estado sem pena de morte, ele foi condenado à prisão perpétua.

John Joubert, em 1996, um mês antes de sua execução

Já em Nebraska, que possui pena de morte, John foi condenado à morte. Em 16 de julho de 1996, John Joubert morreu na cadeira elétrica de Nebraska. Ele tinha 33 anos.

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